Dois autores coreanos trans, que atendem pelo pseudônimo de Cheyenne e Mallang, entraram em contato pela primeira vez há dois anos atrás, após Mallang descobrir que os quadrinhos de Cheyenne, descreviam de forma visual a jornada, vida e problemas de pessoas transsexuais.
No último Dezembro essa nova amizade materializou-se em forma de uma colaboração em forma de quadrinhos autobiográficos, que buscam transmitir conforto àqueles que estão atualmente passando pela mesma situação em um país no qual a discriminação contra a comunidade LGBTQ ainda persiste.

“Eu queria informar, comover e confortar os adolescentes trans que não possuem fácil acesso às informações precisas sobre a transição, bem como aqueles que são forçados a esconder sua identidade de gênero como um indivíduo enrustido semelhante ao meu antigo eu“, disse o autor Mallang ao The Korea Times em entrevista recente junto a Cheyenne.
Devido a constante falta de informações precisas sobre gênero, conceitos errôneos e representações caricatas por parte da mídia a respeito da comunidade transgênero, ambos buscaram se tornar visíveis em espírito de solidariedade.
Em “Meu nome é Cheyenne e sou uma pessoa Trans” a voz e emoções da autora são delicadamente transmitidas através de sua personagem, que possui um broche roxo de “A Pequena Sereia”. Para ela, a narrativa retratando uma princesa do mar tentando alcançar o mundo dos humanos é semelhante ao da de pessoas trans.
Cheyenne. Foto por Aladin.Já em “Meu nome é Mallang e sou uma pessoa Trans”, Mallang representa a si mesmo como um peixe com uma face humana, barbatana perfurada e corpo azul esverdeado. Um peixe que nada livremente no oceano e que representa seu desejo de se libertar das algemas dos preconceitos e restrições sociais.

Em menos de 200 páginas os autores tratam das definições de transgênero, as dores de enfrentarem a disforia de gênero (sofrimento que vem de uma incompatibilidade de identidade de gênero e o gênero atribuído no nascimento) e as etapas detalhadas das transições médicas e legais – conceitos que permanecem estranhos para a maioria da população cisgênero.
Os conselhos e dicas que ela fornecem estendem-se desde a possíveis maneiras de se assumirem a amigos e familiares, a importância de ter um sistema de apoio e as realidades da vida pós transição – algo muitas vezes esquecido por muitos na comunidade trans que podem acabar esperando que a transição traga magia e mudanças instantâneas em suas vidas.
Mallang dedica um capítulo a uma experiência única na Coreia: o serviço militar. Ele decidiu servir por quatro anos sob o seu gênero atribuído ao nascimento, como soldado feminino para resolver quaisquer possíveis problemas após a sua transição em relação ao serviço militar, que é obrigatório a todos os homens coreanos que estejam aptos, assim como para juntar dinheiro para sua transição.
“Mas se eu pudesse voltar, eu não teria tomado essa decisão. Mulheres são a minoria no exército. Estão constantemente sob o radar, quer gostem ou não. E eu simplesmente não conseguia aceitar que eu estava sendo tratado daquela maneira por que era visto como uma mulher cis” disse ao The Korea Times.
“Em uma organização fechada e missógena como o espaço militar, é difícil sobreviver não apenas para mulheres cis, mas também para homens e mulheres trans.”
Algumas pessoas argumentam que a existência de pessoas trans e os esforços dessas em se “encaixarem” (se misturando como pessoas cis-gênero) é um fenômeno negativo que fortalece anda mais os papéis e os preconceitos de gênero já existentes. No entanto, os dois destacam que a passagem – esse processo de tentar se encaixar – continua a ser uma questão de sobrevivência, visto que dessa forma enfrentam menos assédio e riscos de violências, bem como podem obter melhores oportunidades sociais ao fazerem isso.
“As pessoas parecem enxergar isso de trás para frente, pensam que a comunidade trans se conforma com os estereótipos de gênero simplesmente por que querem. Mas em muitos casos, se não nos apegarmos a essa imagem, outros não reconhecem nossa identidade e somos expostos a grandes riscos e perigos nos nossos dia a dia.” disse Cheyenne.
Ela acrescenta em seu livro, “Quem iria ‘decidir’ viver como uma pessoa transgênero, com o medo de romper laços familiares, ser expulso da escola e de empregos, gastando uma quantia significativa de dinheiro para transacionar e perder todos seus amigos apenas porque gosta de brincar com bonecas?”
Além disso, na Coreia, ainda é comum que mulheres trans tenham que parecer “femininas” e homens trans parecerem “masculinos” a fim de receberem a transição médica e legal. Mallang mostra um vislumbre das realidades quando transicionando quando dá dicas de como conversar com os médicos.
Ao longo do processo de avaliação psicológica e física “Faça com que sua aparência, gestos, tom de voz e histórico sejam compatíveis ao máximo com o papel de gênero que você almeja. Infelizmente, ainda existem muitos médicos que não reconhecem pessoas transgênero em casos contrários.” disse em seu livro.

Embora mais e mais membros da comunidade transgênero estejam se assumindo – como a primeira advogada trans Park Han-Hee e Lim Pu-Reun, primeiro político a concorrer por uma posição no Partido da Justiça – também houveram várias mortes, as mais notáveis sendo da roteirista Lee Eun-Yong, da ativista política Kim Gi-Hong e da sargento Byun Hee-Soo.
Cheyenne e Mallang falam como é importante lembrar e honrar àqueles que se foram, e aproveitar a oportunidade para espalhar mensagens de esperança e apoio.
“Mas, ao mesmo é muito importante que enquanto esforçando-se para trazer mudanças, se você se sentir sobrecarregado ou depressivo, você precisa procurar pela sua felicidade e segurança imediatamente.”
“Mudanças sociais não acontecem da noite para o dia. Lembre-se: você tem que viver primeiro.”
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